sábado, 12 de março de 2011 Tags: 0 comentários

LEITURA DE SÁBADO / MULHERES NA LITERATURA BRASILEIRA

Publicada na Revista Cláudia, em novembro de 2010 , a matéria Espelho seu, apresentava as leitoras um perfil de oito personagens femininas dos grandes romances da literatura brasileira, descritas pelo poeta e cronista gaúcho Fabrício Carpinejar. E ainda lançava as mulheres o desafio de identificarem em si, características e comportamentos eternizados pelas musas literárias.
Sem desmerecer os créditos do texto original, republicamos, em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, tão divertida matéria:

ESPELHO SEU

 O livro é um espelho portátil que podemos levar para qualquer lugar. Um espelho inclinado. Retrovisor de cama. Todo leitor vai procurar sua história em cada leitura. Rastrear sua infância. entender suas manias, ganhar argumentos para seus impasses. Tanto que acredito que há três tipos de escritor:

  • Aquele que faz a gente fugir de nossa vida, num movimento de evasão;
  • Aquele que faz a gente assumir nossa vida, produzindo identificação;
  • E o melhor, aquele que nos devolve a própria vida, criando uma súbita e necessária intimidade.

Nesta brincadeira apresentamos oito personagens da literatura brasileira. São ficcionais somente para quem não acreditar nelas. Será natural abraçá-las, enxergá-las na rua, no trabalho, dentro de casa. A pergunta que não tem como abafar será: “Eu a conheço de algum lugar?” Sim, conhece, mesmo que ainda não tenha lido o livro de onde ela saiu. Talvez seja você mesma. Ou no passado. Ou no futuro. Essas mulheres representam comportamentos, disposições sentimentais, brechas amorosas. São tipos psicológicos convincentes, que já entraram no imaginário popular. Ler é conversar com a própria imagem. Qual é a sua?
ü    A libertina C.L.B
      A casa dos Budas Ditosos, João Ubaldo Ribeiro
Sexo sem culpa? Sem moralismo? Sem arrependimento? É , proeza dessa baiana de 68 anos, residente no Rio de Janeiro, que não teve medo de conhecer o prazer a fundo, o ritmo de sua nudez, e descreve seus principais e tórridos casos. Picante, atrevida, sestrosa. Apresenta a força excitante da palavra, a sedução verbal, e realiza o sonho de viver ao máximo para depois ficar rindo à toa dos preconceitos dos outros.
ü     A enigmática Capitu
Dom Casmurro, Machado de Assis
“Olhos de ressaca. Trazia não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca. Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros; mas tão depressa buscava as pupilas, a onda que saia delas vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me.” Hipnotizante, de poucas palavras, faz Bentinho enlouquecer de ciúme. Encarna o mistério: até hoje se discute se ela traiu ou não o marido. Representa a sutileza feminina, o ardil de contar com a precipitação masculina para não falar nada. Insinua e não confessa. Apaixonante, fiel a si mesma, guarda os segredos até o fim. E mostra que o homem é naturalmente paranóico, pois prefere adivinhar em vez de perguntar.
ü      A teimosa Ana Terra
O Continente, Érico Veríssimo
Mulher que não se dobra fácil para a paixão. Absolutamente receosa, primeiro desconfia que está apaixonada e depois faz uma série de testes para ver se realmente o homem a merece. Ana Terra não facilitou a vida de Pedro Missioneiro, que chegou a trabalhar na estância da família. Antes de se entregar, infernizou a vida do pobre sujeito. Botou cinza fria em sua comida e encheu de sal seu pote de leite. Cuidado: ela tira o amor de dentro do ódio.
ü      A crédula Macabéia
A HORA DA ESTRELA, Clarice Lispector
História triste é bobagem perto da de Macabéia. Nasceu no sertão de Alagoas, seus pais morreram quando tinha 2 anos e ela morou com a tia beata, que dava cascudos em sua cabeça para não pensar bobagem. Quis ter um cão mas não podia. Não achava que merecia nem o amor de uma cão, mas somente o amor das pulgas. Pode? Acreditava em tudo o que diziam: que o ovo faria mal ao fígado, que era feia, que iria para o inferno. Sua única esperança era pintar as unhas de vermelho. Colecionava anúncios de jornais, alimentando a ilusão de uma vida melhor. É aquela que tem medo de incomodar, que dificilmente confessará seu anseio. É tão carente que é capaz de se anular. Perdeu o namorado, Olímpico, para a amiga Glória. Nem brigou, aceitou o que o destino queria. Vai procurar uma cartomante para ouvir o que deve fazer.
ü      A separada Mercedes
DIVÃ, Martha Medeiros
Mercedes resolve fazer análise pela primeira vez. O livro todo é  uma confissão dos segredos e dos medos de uma mulher com mais de 40 que enfrenta a separação depois de um longo casamento. Como reconquistar a confiança e recomeçar? Como não se sentir trocada? Ela tenta se adequar ao mundo de solteira, sair de novo, namorar, apoiando-se nas amigas para retomar a vida sexual. Enfrenta situações engraçadas ao se envolver com um homem mais jovem. Operação difícil: vencer o pânico da mudança de costumes e superar a sensação de estar envelhecendo. Há na Mercedes um questionamento bem moderno da mulher que, além de ser feliz, busca entender sua felicidade.
ü      A disfarçada Diadorim
GRANDE SERTÕES: VEREDAS, Guimarães Rosa
Diadorim é a mulher-neblina. Aquela que vai boicotar sua beleza, se esconder em figurinos toscos, tentar alisar os cabelos quando maravilhosamente crespos, passar a máquina zero quando lisos. Sofre do complexo de Joana D’arc: renuncia ao corpo por uma causa. Nunca está satisfeita com a aparência e prefere mostrar que é forte e viril e não precisa de casamento. Por mais que tente sufocar a feminilidade, a doçura dos olhos verdes contraria o destino de jagunço. No romance de Rosa, Riobaldo se apaixona por Diadorim, colega de guerrilha no sertão, mas pensa que ela é ele: Reinaldo. A moça morre em combate contra Hermógenes, o assassino do pai dela.
ü     A fiel Dona Flor
DONA FLOR E SEUS DOIS MARIDOS, Jorge Amado
Cor bronzeada, cabelos lisos e negros, olhos sensuais e lábios grossos, Flor se apaixonou por um canalha. Enfrentou a mãe, Rozilda, para casar de qualquer jeito com o malandro Vadinho. Sedutor, era um amante fogoso que pedia para ela se despir inteira, coisa incomum diante dos recatos de um casamento. Foram sete anos de união, em que Flor  entregava-se  com vorocidade ao sexo e depois passava a noite em claro esperando seu amado voltar. Suportava suas galinhagens e gastanças. Vadinho morre e ela continua desejando-o, mesmo casada com Teodoro. Segue recebendo o fantasma em sua cama. Não larga um amor nem depois da morte.
ü     A injustiçada Lúcia
VESTIDO DE NOIVA, NELSON RODRIGUES
Nunca aceita a responsabilidade pelo seu destino, culpa a falta de sorte e o olhar gordo dos próximos. É a ciumenta, que julga sempre que teve o seu amor roubado. Compete com as próprias conhecidas para conquistar alguém. Ao brigar com o namorado, vai desconfiar que foi outra. Não tem amigas, mas adversárias. Ela perdeu seu amor, Pedro, para a irmã, Alaíde. Os dois casaram e experimentaram uma história de permanente suspeita e de adultério.
Publicado na revista Cláudia, novembro de 2010, p. 180-183 ( Número 11 / Ano 49)

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