sábado, 28 de agosto de 2010 Tags: 0 comentários

LEITURA DE SÁBADO: VINÍCIUS DE MORAIS

'Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça, 
é ela menina que vem e que passa, 
num doce balanço, a caminho do mar...
E que mulher não gostaria de ouvir estes versinhos  sussurrados no ouvido? Pois o poetinha, que tinha o pomposo nome de Marcus Vinícius Cruz de Mello Morais, compôs, em parceria com Tom Jobim e para o agrado de muitas o Tema da desilusão música popularizada como Garota de Ipanema . 
Em contrapartida,nenhuma gostaria de ser a musa dos versos iniciais da sua Receita de Mulher:
'As muito feias que me perdoem
mas beleza é fundamental...'
Fato é que as mulheres sempre foram grande paixão para o nosso poeta, tanto que, aos nove anos de idade teve sua 1ª namorada; e por uma delas, cometeu o  ingênuo delito de roubar versos do seu pai e dedicá-los  como sendo de sua autoria. E mais: as amigas da sua irmã , eram sempre alvo de sua lábia sedutora ,além do que, casou-se 09 vezes e ainda afirmou que casaria quantas vezes fossem necessárias. Porém, foi para as mulheres que escreveu versos memoráveis e apaixonates publicados na literatura e na música brasileira e, convenhamos, difícil para uma mulher não apreciá-los. Vejam por si:

SONETO DE FIDELIDADE

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão - fim de quem ama 

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal , posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure

SONETO DE DEVOÇÃO

Essa mulher que se arremessa, fria
E lúbrica aos meus braços, e nos seios
Me arrebata e me beija e balbucia
Versos, votos de amor e nomes feios

Essa mulher, flor de melancolia
Que se ri dos meus pálidos receios
A única entre todas a quem dei
Os carinhos que nunca a outra daria

Essa mulher que a cada amor proclama
A miséria e a grandeza de quem ama
E guarda a marca dos meus dentes nela

Essa mulher é um mundo! _ uma cadela
Talvez... _ mas na moldura de uma cama
Nunca mulher nenhuma foi tão bela!

São, os sonetos acima, duas razões convincentes para muito amar esse Vinícius, que mesmo sendo um boêmio inveterado ou talvez, por ser um boêmio inveterado, ao ponto de sentar no que chamava de 'Posto de Observação'(Bar do Veloso/ Praia de Ipanema) para compor e verificar as transeuntes , soube expressar com palavras belas e insinuantes o que gostamos de ler / ouvir. E que de há melhor!
Bem querido por elas foi o poetinha carioca, tanto que em seu livro 'Para uma menina com uma Flor' / Coleção 'Grandes Cronistas Brasileiros', Vinícius relata um caso divertido de uma menina de treze anos que o assediava insistentemente. Vale a pena conhecer a história:    BROTINHO INDÓCIL   
   A insistência daqueles chamados já estava me enchendo a paciência ( isto foi há alguns anos). Toda a vez era a mesma voz infantil e a mesma teimosia:
   _ Mas eu nunca vou à cidade, minha filha. Por que é que você não toma juízo e não esquece essa bobagem...
     A resposta vinha clara, prática, persuasiva:
    _ Olha que eu sou um broto muito bonitinho... E depois, não é nada do que você pensa não, seu bobo. Eu quero só que você autografe para mim a sua Antologia poética, morou?
   Morar eu morava. É danadamente difícil ser indelicado com uma mulher, sobretudo quando já se facilitou um bocadinho. Aventei  a hipótese:
    _Mas... e se você  for um bagulho horrível? Não é chato para nós ambos?
   A risada veio límpida como a própria verdade enunciada:
   _ Sou uma gracinha.
   Mnhum _ mnhum. Comecei a sentir-me nojento, uma espécie de Nabokov avant La lettre, com aquela Lolita de araque a querer arrastar-me para o seu mundo de ninfete. Não, resestiria.
  _Adeus. Espero você  às quatro, diante da ABI. Quando você vir um brotinho lindo você sabe que sou eu. Você, eu conheço. Tenho até retratos seus...
   Não fui, é claro. Mas o telefone no dia seguinte tocou.
   _ Ingrato...
   _Onde é que você mora, hein?
   _ Na Tijuca. Por quê?
   _ Por nada. Você não desiste, não é?
   _ Nem morta.
  _Está bem. São três da tarde; às quatro estarei na porta da ABI. Se quiser dar bolo, pode dar. Tenho de toda maneira que ir à cidade.
   _ Malcriado... Você vai cair duro quando me vir.
 Desta vez fui. E qual não é minha surpresa quando, às quatro em ponto, vejo aproximar-se de mim, a coisinha mais linda do mundo: um pouco mais de um metro e meio de mulherzinha  em uniforme colegial, saltos baixos e rabinho-de-cavalo, rosto lavado, olhos enormes: uma graça completa. Teria, no máximo, treze anos.        Apresentou-me sorridente o livro:
  _ Põe uma coisa bem bonitinha para mim, por favor?...
  E como eu lhe respondesse ao sorriso:
  _ Então, está desapontado?
  Escrevi a dedicatória sem dar-lhe trela. Ela leu atentamente, teve um muxoxo:
  _Ih, que sério...
  Embora morto de vontade de rir, contivi-me para retorqui-lhe:
  _ É, sou um homem sério. E daí?
  O ‘e daí’ é que foi a minha perdição. Seus olhos brilharam e ela disse rápido:
  _ Daí que os homens sérios podem muito bem levar brotinhos ao cinema...
  Olheia-a com um falso ar severo:
  _ Você está vendo aquele café ali? Se você não desaparecer daqui imediatamente eu vou àquele café, ligo para sua mãe ou seu pai e digo para virem buscar você aqui de chinelo, você está ouvindo? De chinelo!
  Ela me ouviu, parada, um arzinho meio triste como o de uma menina a quem não se fez a vontade. Depois disse, devagar, olhando-me bem nos olhos:
  _ Você não sabe o que está perdendo...
  E saiu em frente, desenvolvendo, para o lado da avenida.
1966

E, para quem quiser fazer sua própria antologia com os textos do poetinha, é só acessar o link abaixo, cadastrar-se e criar seu livrinho virtual, que ficará armazenado no site para compartilhar com os amigos: ANTOLOGIA POÉTICA .
Cléa Morais

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